sábado, 20 de dezembro de 2008

Estômago



Dirigido por Marcos Jorge, Estômago conta a história de Raimundo Nonato (personagem vivido por João Miguel), um nordestino que, como muitos outros, desembarca sem dinheiro em uma cidade grande. Seu primeiro trabalho, que ele aceitou em troca de comida e um lugar pra dormir, foi em um botequim, onde descobriu seu talento para a culinária.


A história é muito bem conduzida, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento do personagem principal. O roteiro intercala cenas que contam a trajetória de Raimundo Nonato na cidade e sua trajetória no presídio. Nos dois casos, é principalmente o talento para culinária que o levar a melhorar sua posição social.


Logo no início, o filme já desperta a curiosidade do espectador ao revelar que o protagonista será preso, mas sem revelar o motivo. O Nonato que vemos na penitenciária no início do filme é tão inofensivo quanto aquele que chega à cidade cheio de boa vontade. A transformação do personagem se dá no mesmo ritmo nos dois ambientes.


Como não podia deixar de ser, o filme explora bastante os prazeres da gula. Nas cenas em que Nonato está preparando um prato ou alguém está comendo o que ele fez, a trilha sonora entra com músicas suaves e prazerosas, os ambientes (mesmo quando são no presídio) se tornam mais limpos, bonitos e com cores quentes, e a filmagem fica mais lenta. Há closes nas mãos que preparam o alimento, nos ingredientes, nas panelas e nas bocas que mastigam. Sexo e gula aparecem também fortemente ligados. È com seus quitutes que Nonato conquista a prostituta Íria (Fabiula Nascimento), por quem se apaixona. Em uma das cenas dos dois juntos, ela literalmente janta enquanto eles transam. Essa é uma cena quase idêntica à do filme Maus Hábitos; filme aliás bem interessante, que explora não só os prazeres que a gula proporciona, mas principalmente as angústias que ela pode trazer.


João Miguel, que já se destacou mesmo em papéis secundários (Cinema, Aspirinas e Urubus, O Céu de Suely e Mutum) demonstrou mais uma vez ser um excelente ator. Carismático, convincente e bem preparado, ele cria um personagem interessante e intenso, com o qual nos identificamos imediatamente. Ao mesmo tempo em que vemos na tela um homem simples, humilde, divertido e muito sincero, sabemos que de bobo ele não tem nada, o que se confirma na forte cena em que ele toma o vinho mais precioso do seu patrão quando esse abusa de algo que para Nonato possui muito valor.


O filme contém um plano sequência interessante (haveria ali algum corte escondido?) em que a câmera percorre uma comprida mesa enquanto acompanha Nonato colocando nela os pratos do banquete que preparou. Após chegar ao final da mesa a câmera retorna ao início dela, mostrando, dessa vez, os alimentos já devorados pelos convidados.


Estômago é um filme com momentos de comédia, suspense, romance e até terror, como na cena a la Hannibal Lecter, que na verdade achei um pouco forçada. Retrata hierarquias e relações de poder na sociedade e explora bem o desenvolvimento psicológico do protagonista A forma direta e nada amena do filme tratar o corpo humano é bem condizente com o título. Trata-se de um filme rico e interessante que merece ser visto.


Nota 9/10

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